Minhas raízes

Minhas raízes
Uruguaiana

sábado, 30 de maio de 2009

Histórias do Pedro Mascate

A Estância Santa Joana, no passo do Ijiquiquá, Distrito do Plano Alto, município de Uruguaiana, é uma das tantas onde passamos nossa infância e adolescência.
Nosso pai foi capataz por 20 anos nesse estabelecimento rural.
Fica a beira do Ijiquiquá, mato e passo.
O mato fica uns 300 metros das casas, local onde buscávamos algumas caças para variar a carne de gado ou ovelha.
Na época e ainda hoje tem uma fauna diversificada, tais como tatu, capinchos, peixes, aves, enfim uma variedade de animais que mesmo sendo proibido pelos donos, sempre se comia algo diferente para variar o cardápio.
Lá conhecemos muitas personagens da nossa infância, entre eles o seu João Delfino, popular Bico de Ferro, o gaiteiro, ginete e campeiro Dico Telles e a personagem principal do nosso conto, Pedro Mascate.
O seu Pedro que versa a nossa história de hoje, foi mascate por muitos anos naquelas redondezas, vendia roupas, botas, alpargatas, tecido para vestidos e bombachas, palha, fumo, erva, perfumes como o amor gaúcho, óleo e brilhantina glostora para o cabelo, bijuterias e tantas outras bugigangas que deliciavam a juventude e muitos marmanjos que não iam ou não podiam ir a cidade.
Mas o tempo que é primordial para todos nós e não perdoa quem dele despreza, cumpriu o seu papel.
As coisas foram mudando, o progresso aos poucos foi chegando às campanhas e conseqüentemente isso foi também afetando os usos e costumes daquele pessoal.
Essas mudanças, atingiram em cheio o nosso Mascate, seus negócios foram diminuindo, a idade foi chegando e os pilas foram mermando, até que o seu Pedro Mascate desistiu da sua venda, falou com Capataz nosso pai e justou-se de peão caseiro, cuja função entre tantas que desempenha, é carnear, cortar lenha, tirar leite, cuidar a horta, varrer galpões e pátios, transportar a bóia e café da cozinha da casa grande para os empregados do galpão, esta uma das funções fundamentais para o bom andamento dos trabalhos de toda a peonada.
Função essa que desempenhou até não agüentar mais, quando parou acossado pelos anos de serviço, acabou num asilo em Uruguaiana, onde sua única alegria era visitar minha mãe que nessa época por causa do estudo dos guris mais moços já morava na cidade e bem próximo do asilo onde seu Pedro foi ficar até seu ultimo dia de vida.
A carroça que foi o seu ganho quando mascate, até bem pouco tempo ainda estava na estância o que sobrou dela, o quadro e o rodado.
Na estância tem um moinho e uma caixa d’água e em baixo dela um chuveiro e um você usado pelos peões.
Cuja ilustração consta na foto inserida nesta história.
Seu Pedro tinha uma característica que o tornou conhecido nas imediações, nunca vimos ele tomar um banho, passava inverno e verão sem chegar perto do chuveiro ou lagoão onde a peonada costumava banhar-se no verão.
O galpão tinha um pequeno quarto que servia para guardar os pertences dos peões entre eles , pelegos coloridos, badanas, roupas apetrechos que a gauchada usava nos domingos de carreiras e folguedos da época que ocorriam no Touro Passo, Três Bocas, Olhos D’água, Sanga Grande, Barragem, Chapadão, etc..
Esse quarto também servia para alguns dormirem, quando os mosquitos permitiam.
Certa vez chegou um povoeiro que não quis acompanhar a peonada que dormia campo a fora, mirando as estrelas. Disse ele que não tinha medo dos mosquitos, pois usava uma loção muito boa que depois de aplicada bicho nenhum chegava perto.
O pessoal quando o sujeito falou em loção, já desconfiaram que ele tivesse algum costume diferente, mas na hora de dormir, cada um pegou a sua cama e acomodou-se como pode só o dito cujo permaneceu no quartinho.
Quando foi lá pela uma da madrugada, vimos um movimento e para surpresa nossa era o homem da loção que não agüentando os mosquitos saltou fora do quarto para poder dormir.
No outro dia meio chateado explicou que nunca tinha visto mosquitos tão queixudos, não adiantou a tal de loção, eles não respeitavam nada.
Foi quando um dos presentes disse ao moço que na estância só tinha uma loção que os mosquitos respeitavam e este logo quis saber qual era mas o informante foi taxativo, logo eu vou lhe mostrar qual, depois de usado o Sr. pode deitar tranqüilo que eles não incomodam.
O seu Pedro nosso ex-mascate e caseiro da estância fez de um par de botas de borracha, um par de chinelos que serviam pro inverno e verão e que ele tinha um carinho muito especial e nos também.
Esse par de chinelos do seu Pedro, era a loção usada contra os mosquitos, quando eles estavam de mais e alguém queria ficar no quarto, era só colocar um dos pés do chinelo dentro do quarto por uns 2 ou 3 minutos e a mosquitada não agüentando o cheiro, caiam fora imediatamente deixando quem la estava em paz.
Essa foi a loção usada na noite seguinte para provar ao povoeiro que em campanha nos tínhamos soluções caseira para muitos problemas.
Durante o tempo que La estive não conheci inseticida mais eficaz que o chinelo do seu Pedro.
O seu Pedro dormia numa cama num canto da cozinha do galpão que mais parecia um ninho, ali ele se acomodava, como os seus chinelos ficavam em baixo da cama, os mosquitos não se atreviam a entrar ou incomodá-lo.
Quando começou a instalação de rede elétrica na campanha, teve uns funcionários da CEEE que ficaram acampados na estância, e nos primeiros dias ficavam até mais tarde na beira do fogo conversando e perturbando o sono do caseiro.
Na segunda noite o seu Pedro foi ao mato, juntou cascas de mata olho verde, no momento certo colocou as cascas no braseiro do fogo de chão e foi dormir no quartinho.
Ouvimos até tarde, a conversa e as risadas do pessoal da CEEE na beira do fogo. Só no outro dia amanheceram com os olhos vermelhos e inchados e se queixando que não conseguiram dormir a noite.
Foi um santo remédio, não incomodaram mais, tendo seu Pedro voltado tranqüilo para o seu habitat.
Entre tantas historias do nosso caseiro, teve uma que me intrigou e até hoje não consegui decifrar direito.
Os anos passaram depressa, eu já estava na cidade, como militar servindo em Quarai e na estância curtindo umas merecidas férias, aproveitando para relembrar os tempos de piá.
Minha esposa com o meu filho mais velho tinha ido passar o dia numa estância vizinha onde o capataz era um velho amigo e conhecido de nome Cândido, os peões tinham ido pro campo, fiquei eu, minha mãe e o nosso caseiro seu Pedro.
É comum em campanha, comentários sobre assombração, alma do outro mundo, lobisomem e outras cossitas mas, papo esse que sempre acontece durante o dia, onde os corajosos contam historias e patacoadas mas sempre durante o dia, quando chega a noite, todos tremem de susto quando algo que não é normal acontece.
Mais ou menos umas três horas da tarde, um calor de 35 graus de um verão seco, o sol tremia nas coxilhas
Dei uma volta pelo galpão e resolvi ir conversar com a minha mãe que estava na cozinha da casa grande.
Quando me dirigia a cozinha, vi uma pessoa que entrava tranquilamente no banheiro da caixa d’água do moinho, com uma toalha no ombro.
Cheguei na cozinha e disse pra minha mãe :
Mãe vai chover.
Tu ta loco guri, chover com esse sol, não tem uma nuvem no céu.
Respondi:
Não mãe, vai chover, eu vi o seu Pedro entrando no banheiro do moinho com uma toalha no ombro com certeza vai sair o primeiro banho da sua vida.
O seu Pedro!
Com certeza esse banho não sai me respondeu ela.
Completando. O seu Pedro está em baixo da ramada tomando um copo de leite com bolacha.
Ao lado da cozinha, tinha uma grande ramada, coberta por um pé de parreira que nos trazia grandes problemas com nosso pai, porque antes das uvas ficarem maduras nos começávamos a daninhar na planta.
Eu fui à janela da cozinha que dava para o pátio e com um arrepio involuntário no corpo constatei o seu Pedro que me olhava surpreso por não entender o que eu tinha comentado.
Quem entrou no banheiro não foi realmente o seu Pedro e até hoje, passado mais de 40 anos, as vezes me pergunto quem teria entrado lá se na estância só estavam três pessoas, eu, minha mãe e o velho caseiro: SEU PEDRO MASCATE.

GLOSÁRIO-
Acossado – obrigado, forçado
Mata-olho – árvore nativa, cuja fumaça irrita os olhos de quem não
está habituado com ela.
Patacoadas – externar ato de coragem, valentia, bravuras, etc...

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