Minhas raízes

Minhas raízes
Uruguaiana

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Naqueles Tempos

O Natal do Nicácio

Corria o ano de 1975, e o Nicácio que nestas alturas já não era mais um peão de estância e sim um competente 3º Sargento Telegrafista, servindo em Uruguaiana , fez uma permuta (troca) com um colega de Quarai. Mesmo sendo natural de Uruguaiana resolveu mudar de ares. Como fui eu que pedi, não tive direito a ajuda de custo da transferência.
Jovem, casado com três filhos, foi forçado pelas circunstâncias a solicitar sua transferência, tentando com isso livrar-se da série de problemas que enfrentava em Uruguaiana, especialmente a falta de dinheiro e conseqüentemente o acúmulo de dívidas e a intranqüilidade familiar e funcional.
Nessa época as dívidas vinham para o Quartel e isso dava cadeia e constrangimento perante os colegas. O Quartel assumia as dívidas para ficar bem com a comunidade, no entanto descontava na folha de pagamento dos Policiais deixando-os a ver navios como diz o velho ditado.
Imaginem os Srs. como pagar aluguel, leite, pão, luz, água, etc. enfim como sustentar uma família com crianças sem um tostão no bolso.
Esse foi o verdadeiro motivo do pedido de transferência em questão.
A esperança era que mudando de cidade, resolveriam seus problemas financeiros. É claro que as dividas acompanhavam-nos para a nova Unidade Militar, o que quer dizer que o drama continuava, mas mesmo assim aquela mudança era uma esperança de dias melhores, novas expectativas, desejo de dar um melhor atendimento a seus entes queridos que mais sofriam com essa situação.
A realidade era nua e crua, a transferência não mudava nada, às vezes até piorava, porque na nova morada, tinha que começar tudo de novo.
Foi assim que foi o Nicácio transferido de Uruguaiana para Quarai, onde por não ter condições de pagar um aluguel, foi morar numa escola pública, onde duas salas de aulas foram transformadas em residência.
A mudança foi também de favor, seus trastes foram transportados num caminhão boiadeiro com restos de sujeira dos animais que havia transportado na última carga, imaginem o cheiro agradável que ficou nos seus pertences por longos dias.
Chegando ao novo destino, acomodaram-se da melhor maneira possível. A recepção dos colegas foi discreta, certamente no Quartel já tinham conhecimento de todos os seus problemas.
Chegou o fim do ano, a cidade preparava-se para as festividades natalinas. O Nicácio sem conhecer quase ninguém, também se preparava para as festividades já citadas, sem dinheiro, longe dos parentes, na realidade, só seus familiares e mais ninguém.
No dia 24 de dezembro aproximadamente as 22h30min, estavam sentados na frente da escola, as crianças brincando inocentemente, os transeuntes passando cheios de pacotes, transpirando alegria e eles apavorados pensando o que dar aos seus filhos naquela data tão significativa para toda a humanidade.
Foi quando avistaram dois soldados que também vinham alegres e faceiros com alguns pacotes, o Sd Cabreira e o Sd Miranda, que imediatamente pararam para conversar e desejar boas festas.
Certamente sentiram o clima de tristeza que havia entre aquela família e não tiveram dúvidas fizeram o convite.
Pessoal não queremos desculpas peguem o que vocês iam preparar para a ceia e vamos lá pra nossa casa, vamos passar o natal juntos como verdadeiros colegas.
A esposa do Nicácio, Dª Faustina baixou a cabeça e não conseguiu responder, o Nicácio agradecido e comovido não sabia como explicar que eles não tinham nada para levar. O Sd Cabreira pressentiu a situação e reforçou o convite com as seguintes palavras: Olha gente, não precisam levar nada, a esta hora já está tudo pronto, fechem a casa peguem as crianças e vamos logo, é bem perto daqui.
Dª Faustina não conseguiu segurar a emoção, começou a chorar copiosamente e justificou-se que estava com saudades de seus familiares que moravam em Porto Alegre.
Passaram o Natal mais importante de suas vidas, eles tudo fizeram para que ficassem a vontade, não sei como, e nunca tive coragem de perguntar, mas conseguiram inclusive presente para os filhos do Nicácio que não iam ganhar nada, se ficassem em casa.
Esses dois colegas ofereceram naquele momento o que mais o Nicácio e sua família precisavam calor humano, solidariedade.
Esse fato aconteceu a mais de 30 anos, mas todos os Natais do Nicácio e Dª Faustina, que a partir daquela data estão sempre juntos e felizmente com fartura, na hora da ceia eles, o Sd Cabreira e o Sd Miranda, são lembrados com muito carinho.
Esse foi o melhor convite que podiam ter recebido naquele momento.
O Nicácio, Dª Faustina e seus filhos dedicam esta história a esses nobres companheiros: Sd Cabreira ‘’Post Mort’’ e ao Sd Miranda que perderam contato há muitos anos. Eles jamais foram sabedores da repercussão do seu gesto

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