Minhas raízes

Minhas raízes
Uruguaiana

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O OUTRO LADO

Em tantas viagens que fiz quando trabalhei para Trans-Ritmo-Ltda – Emp. De Imp. E Exp. De carros 0-KM, numa delas fui escalado para levar um caminhão trator (Cavalinho) para a cidade argentina de Córdoba, distante uns 800 km de Passo de Los Libres. A viagem transcorria normalmente, até que cheguei à cidade de San Francisco. Passávamos por fora da cidade, com caminhões, cheguei num posto conveniado com nossa firma, onde encontrei um carreteiro, que trabalhava na mesma empresa, eram por volta das 0900 hrs da manhã, estava tomando café, conversamos, recusei o convite para acompanhá-lo no café e segui meu rumo. Próximo dali havia um posto policial argentino onde fui para verificação de documentação, surpreendentemente, o policial alegou alguma irregularidade nos documentos que lhe apresentei, solicitou que eu o acompanhasse até a comissária que ficava no centro da cidade. Quando manobrava o caminhão já acompanhado do policial, o meu colega que estava no posto anterior, passou, buzinou, abanou-me e seguiu seu destino. Eu calculando ser um imprevisto temporário que só atrasaria minha viagem por alguns minutos, segui tranqüilo para a comissária. Mas surpreso fiquei, quando chegamos a comissária, o policial mandou que eu fechasse o caminhão e lhe entregasse a chave do mesmo.
Ainda pensei que ao chegar ao seu superior tudo seria esclarecido, não me preocupei muito.
Não imaginava que estava começando uma das experiências mais terríveis que tive em minhas aventuras de caminhoneiro. Na frente de mais dois policiais, foram solicitados meus documentos e uma ordem para que tirasse o meu cinto, minha aliança e um anel, sendo que já um pouco nervoso tive dificuldade com o cinto no que fui ajudado por um dos policiais, que pegou pela fivela puxando-o violentamente, fazendo com que eu desse uma volta sobre mim mesmo, tendo me olhado com um olhar sarcástico e debochado. Nisso fui interpelado pelo outro que examinava meus documentos, perguntando-me seu eu era policial, ao ver minha carteira de policial militar do Rio Grande do Sul. Respondi aliviado que sim pensando que ao verem minhas condições de seu colega tudo estaria resolvido. Tremendo engano, afirmou risonho que: Oste és Policia Allá em tu tierra acá Oste no és nadie. A partir daí, fui levado para um pátio interno, onde foi aberta uma porta de ferra e mandaram que eu entrasse. Resisti o que pude, pedindo o direito de ligar pra minha empresa ou para um advogado, no que um deles se retirou, falou com outro e voltaram juntos, pensando eu que me daria o direito universal de procurar me defender de uma acusação que até o momento eu não sabia qual era. Dos dois que voltaram, um deles deu-me com a mão aberta um violenta tapa na nuca e o outro o auxiliou, dando-me um violento chute na bunda, com esse apoio inesperado, acabei caindo estatelado dentro do xadrez onde existia outros presos.
A porta foi fechada violentamente e achei-me na presença dos novos colegas da cadeia apavorado, desnorteado e sem saber o motivo de tamanha arbitrariedade e tanta violência.
A partir daquele momento comecei a entender as histórias dramáticas contadas por outros colegas que já tinham provado a ignorância e o abuso de autoridade da policia argentina.Passado o primeiro impacto da surpresa e o medo que senti ao ser tratado como um marginal pela primeira vez comecei a analisar a situação difícil e complicada na qual eu estava inserido. O local era um xadrez com três celas laterais, algo parecido com um salão e um banheiro ao fundo. Na primeira cela de aproximadamente 2,5 por 1,90, havia 08 presos, um maior e os outros todos menores de várias idades, todos deitados ou acomodados sobre uns alcochoados e cobertores velhos que lhes servia de cama, onde todos estavam deitados ou em cima daqueles trapos velhos e sujos. Na segunda, havia um sujeito grande, mas não chegava a ser gordo, peludo, parecia um chipanzé, só que, branco, deitado sob um colchonete com um edredom, tudo limpo e bem arrumado, ele estava sentado na cama recostado na parede. Na outra cela não havia ninguém, estava totalmente vazia. No fundo o banheiro, com algo que devia ter sido um sanitário, onde existia só um buraco onde se fazia as necessidades fisiológicas, com um cano na parede pingando água, devia ter havido ali uma torneira. O local era assustador, sujo, ou melhor, imundo, com um cheiro insuportável que chegava a dar náuseas. Após essa análise fui interpelado pelos presentes, todos queriam ao mesmo tempo saber o motivo da minha estada ali e queriam saber como eram as cadeias do Brasil, quando descobriram que eu era brasileiro. O ambiente foi se acalmando, começamos a conversar, eu procurando explicar os motivos da minha prisão e com muito cuidado informando que eu não era da área mas r sem deixar transparecer que eu nunca tinha passado por uma situação tão constrangedora e complicada como aquela. O que senti de imediato, apesar da aparência dos meus colegas de momento, foi a total solidariedade e ainda quando sentiram que eu estava muito nervoso, procuraram me tranqüilizar, dizendo que aquilo não era nada e que eu sairia numa boa da situação. Só então entendi o que sempre vi na minha vida profissional, quando tive a oportunidade de entrar em presídios ou locais que houvesse pessoas na minha situação. Fazia uns seis meses que eu lutava para deixar de fumar,mas a primeira coisa que fiz, foi acender um cigarro que me foi oferecido por um dos componentes da primeira cela. Hoje penso e parece-me que aquele foi o melhor cigarro que fumei na minha história de muitos anos de vicio. Comecei a caminhar desesperadamente dentro cela, não conseguia me controlar, comecei a analisar a minha situação e cheguei à conclusão que não era das melhores diante de tantas outras que passei ao longo dos anos. Estava a 700 km do Brasil, preso sem terem permitido que eu comunicasse a firma ou falasse com advogado, os meus companheiros, ninguém sabia que eu estava preso e sabendo dos horrores que contavam a respeito das prisões Argentina. Ao meio dia, foi aberta a porta externa da cela. Cheguei a dar um salto, pensando ser o motivo da vinda do carcereiro. Tremendo engano, a porta foi aberta, por onde uma panela grande de alumínio com alças de arame, foi empurrada com o pé pra dentro da cela, a porta voltou a ser fechada e o conteúdo do recipiente, algo parecido com bonzo, (alimento para cães) era o nosso almoço e uma água verde doce parecida com chá de alfafa era o suco para acompanhar a refeição. Não consegui almoçar, mesmo com o apoio dos novos companheiros que pediam que eu me acalmasse que tudo se resolveria. Às 14 horas, eu não agüentava mais a dor nos rins acha que pelo frio e a umidade da cela, nervosismo etc... Como não havia lugar pra eu sentar, acabei sentando na cama mais limpa, que era a do argentino, que depois fiquei sabendo que era motorista que nem eu. Sentei na ponta do colchão e encostei-me na parede, onde dormi até as 15 horas. Após conhecer os motivos dos colegas estarem presos, comecei a ficar mais calmo, mas mesmo assim muito preocupado com a minha situação. Os presos da primeira cela eram todos menores com exceção de um que era maior de idade e estavam recolhidos por envolvimento com drogas. O outro era um rapaz argentino que foi recolhido como eu, por uma infração de trânsito. Tinha sido condenado a oito dias de reclusão por não ter usado uma lona protetora na carga que levava. O argentino maior de idade me chamava constantemente para me mostrar como tratava os seus discípulos. Dizia: Brasil, Brasil mira. Quando eu chegava à cela, ele pegava um dos guris e dava um beijo na boca e me perguntava, Tche Brasil no quieres te regalo sin te cobrar nadie. Depois começou a içar-se com as mãos, numas janelas basculantes e gritava para mim: Brasil, Brasil, Beni para ver que maravilla. Tanto insistiu que resolvi atende-lo e me dependurei na janela. Do outro lado do pátio, havia umas celas femininas, onde tinha umas gurias que colocavam os seios nas grades para que nos pudéssemos olhar.
Às 16 horas, começou a visita aos presos, e o outro motorista foi chamado e levado para uma sala onde estavam seus familiares. A partir daí, começou uma cena que me intrigou, até que descobri e usei o mesmo esquema. Eles chegavam numa pequena abertura da porta de ferro e gritavam: fulano pedi-me, fulano pedi-me. Daí a alguns minutos, vinha um guarda abria a cela e tirava o sujeito. Perguntei por que aquilo, ele me explicou que quem estava de visita pedia para visitar quem pedia e assim o guarda vinha e tirava o preso para receber a visita solicitada.
Como sabia o nome do meu colega motorista, apelei também. Gritei Robertoooo! Pedi-me, não demorou mais que dois minutos e um guarda veio e me liberou. Foi um alivio sair para o pátio, ver sol, ar puro e gente. Conversei com os familiares do Roberto até terminar a visita, tendo voltado pra cela mais aliviado. Até que aproximadamente às 17 horas, veio um guarda e pediu para mim sair e acompanhá-lo. Fui encaminhado para uma sala onde uma policial feminina escrivã passou a me indiciar e tomar todos os meus dados tirou inclusive a impressão digital dosdedos das duas mãos. Após esse cerimonial, fiquei aguardando El Juez de Culpa para receber a minha sentença. Na Argentina, Uruguai e creio que todos os Países do MERCOSUL têm um juiz de plantão que julga e condena os indiciados, em pequenos delitos. A Argentina tem as províncias independentes, cada uma tem sua jurisdição própria. Só depois fiquei sabendo que por esse motivo, eu fui arrestado (preso) e condenado. Também lá, as infrações de trânsito são acompanhadas de prisões temporárias dependendo do delito cometido. Voltando a cadeia, após ser qualificado, identificado e esperar o julgamento, comecei a receber propostas para em cada viagem que fizesse levar não mais que um kg de cocaína, segundo o informante, eu ganharia em cada viagem o que eu não ganhava em um mês levando carros 0 km para a Argentina. Fingi concordar, para não criar animosidade com meus colegas de cela. Aproximadamente às 18 horas, vieram me levar para ser julgado. Cheguei numa sala ampla, havia um Senhor com óculos de grau onde mandaram que eu sentasse em frente do mesmo. Comecei a falar sem parar, creio que por causa do nervosismo, reclamei pela presença de um advogado, pedi para ligar para a minha empresa, perguntei o crime cometido para estar ali preso, enfim, fiz uma série de perguntas quase todas ao mesmo tempo. Quando parei, o juiz me olhou por cima dos óculos e lascou:
Brasil, acá quien hace lás preguntas soy yo, hoste solo tiene que responde-las. Resultado, depois de me enquadrarem em vários artigos, fui condenado a 24 horas de detenção, como havia me comportado bem durante o período que la estava, fui solto para arrumar o caminhão e seguir viagem, se fosse pego pela mesma infração, seria arrestado(preso) por oito dias. Não perdi tempo, peguei meus documentos, a chave do caminhão e caí fora, só pedi que me dessem um comprovante que eu estava preso para mostrar na empresa e justificar o meu atraso. Deram-me uma declaração, que eu usei para divulgar no Brasil a arbitrariedade da policia Argentina. Para ornamentar ainda mais esta história, após entregar o caminhão em Córdoba, eu e outro colega estávamos em um trevo na saída da cidade, tentando conseguir uma carona, quando fomos abordados por uma viatura da polícia local com três policiais, que mesmo mostrando nossos documentos e documentos da empresa, não foi o suficiente para que eles nos revistassem e abaixo de ofensa a nós e ao nosso País, nos obrigaram a abrir nossas sacolas e tirar todos os nossos pertences, os quais foram jogados na terra e revirados coma a ponta de seus cassetetes. Só nos deixaram em paz, após conseguirem 12 pesos, três para cada um deles. Este episódio, foi fundamental para a minha desistência, trabalhei mais uns 30 dias e pedi as contas na firma.






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